A minha melhor amiga

Liceu Filipa de Lencastre. 10º, área de humanísticas. Ano lectivo 1982/83.
Na minha turma havia uma menina determinada que dançava ballet e queria ser advogada. Tinha o cabelo pelo meio das costas, vinha de um colégio privado, achava que o liceu público era uma selva e chamava-se Elsa. Vivemos 3 anos inesquecível, numa época que foi na verdade a idade da inocência: Achávamos que éramos radicais porque faltávamos às aulas para ir comprar bilhetes para a ópera ou para jogar King... uhau!!! Que transgresoras nos sentíamos... Foram o melhor dos tempos e o pior dos tempos. O meu pai morreu em 1984 e a Elsa trouxe-me o único bolo de anos que tive nesse aniversário... No ano seguinte, perdida por dentro, não conseguia concentrar-me a Elsa passava-me apontamentos, ralhava comigo, estudava comigo...
Fomos para a universidade e parecia que a história comum se ia passar: novos amigos, nova vida, velhas promessas... Mas depois da faculdade, assinámos as fitas de fim de curso e parece que naquela assinatura fizemos um contracto para a vida... Temos histórias de todas as férias de verão, passámos por amores e desamores. Toquei a marcha nupcial no seu casamento, ela chorou as desilusões do meu coração. Vieram os cães, nasceram-lhe os filhos, vieram empregos, mudanças de vida, celebrámos aniversários e Natais, chorámos os queridos que partiam... A nossa vida interliga-se... ela faz parte de mim... Desde há 3 anos somos oficialmente família, sou madrinha da Madalena... A Elsa quando a minha mãe tá doente vai visitá-la para a animar...
Decidi deixar o ensino e começar a estudar teologia. Ela, o mais possível católica, percebe de denominações, visitou quase todas as igrejas presbiterianas de Portugal e conhece aos pastores pelo nome... A Igreja mandou-me durante um ano para a Figueira da Foz viver numa casa gelada, o Miguel, o marido da Elsa, foi de propósito à Figueira levar-me um aquecimento num fim-de-semana particularmente frio... Fui trabalhar em Agosto para as Igrejas de Abrantes. No meio de um verão horrivelmente quente, às 4 da tarde lá estava toda a família sentada no primeiro banco de uma das igrejas para me ver pregar, (como são muitos: 7, a assistência da Igreja subiu 1/3 nesse domingo).. vim estudar para Madrid... A Elsa e o Miguel pegaram no carro e vieram cá trazer-me as tralhas todas... a Elsa trabalha 14 horas por dia é um quadro importante de um banco... mas escreve-me todos os dias pelo menos um mail... Todo o departamento do Banco que ela dirige me conhece pelo nome: " a minha amiga" é como me chamo... não é preciso nome porque todos sabem que sou eu... É bom saber que se é: " a amiga" de alguém...

A Elsa foi o anjo da guarda da Lisdália. (ver posts de 10/6 e 13/6). No meio das tais 14 horas de trabalho e de uma gravidez, arranjou tempo, para ir com ela às consultas da MAC, assitir ao parto, dar o 1º banho na Bianca, controlar as vacinas, refilar com quem de direito porque não levavam a Bianca ao médico. Falou com todas as assistentes sociais, psicólogas, directoras de colégios, de 3 IPSS pelas quais a Lisdália passou em 2 anos, da escola secundária, Conseguiu uma reportagem na SIC quando a Lis às 10horas da noite, foi posta na rua grávida de 8 meses. Tentou sensibilizar os inúmeros familiares sempre a descartar responsabilidades: tios maternos, tios paternos, tios por afinidade, tios porque moravam na mesma rua que a mãe... primas de primas, primas da avó, primos em qualquer grau que pudessem ser uma esperança... perdeu a conta os números de telefone que gravou... a quantidade de meninas de cada instituição que conhecia pelo nome e levava a almoçar...
A minha melhor amiga não se demite de se importar com os outros, ainda que pudesse dar todas as desculpas que todos nós damos para isso: família, trabalho, tempo...
A minha melhor amiga, enfiou o marido e 5 crianças no carro a caminho de férias no sul de Espanha e fez em desviozinho de avião a Madrid para vir à minha graduação...
Também eu tenho um anjo da guarda...