terça-feira, janeiro 12, 2010

Menino rico, menino pobre

A minha afilhada e a irmã em Lisboa andam um fantástico colégio Inglês. Todos os dias têm trabalhos de casa de pesquisa, ou fotocópias com exercícios que a escola envia. A escola quando vê que um aluno tem dificuldade oferece explicações gratuitamente. A escola também envia TODOS OS DIAS 2 ou 3 livros emprestados que elas têm que ler (ou que os pais lhes têm que ler antes delas saberem ler). Com 7 anos a minha afilhada lê fluentemente, fala e escreve em inglês e português. Aliás adora ler alto para todos ouvirem. Ela também tem televisão e computador e playstations, mas porque lê todos os dias, os livros fazem parte da sua vida.

A irmã da minha afilhada com 5 anos (idade em que se aprende a ler) reparou que o marido estava às voltas com o telemóvel novo e sugeriu. "Porque é que não lês o livro de instruções? "Já ficavas a saber!" Para elas a palavra escrita diz qualquer coisa. Quando querem saber alguma coisa até dizem "Isso vem num livro?"

O que eu reparo é que a palavra escrita para os meus alunos não lhes diz nada, eu tenho que lhes explicar o exercício porque quando lêem as instruções não as percebem.

Esta situação é trágica. O desnível social acentua-se dramaticamente. É verdade que agora todos têm acesso à educação gratuita, que a escolaridade é obrigatória. Mas isso significa o quê?

Nos anos 80 a minha amiga Elsa que estudou até ao 9º num colégio privado, mudou para uma escola pública no 10º porque os pais sabiam que o ensino público era melhor para esses últimos anos de liceu. Isso hoje em dia é impensável. Cada vez mais os pais que têm possibilidades põe os filhos em escolas privadas. E cada vez mais as crianças começam com explicações mais cedo. Porque são tão ineficientes as nossas escolas? Será que os professores são todos incompetentes? Será que os programas são assim tão maus?

Pode haver maus professores (eu tive alguns), há coisas que aprendemos na escola que não nos servem para nada. Mas será apenas isso?

A minha afilhada e a irmã estão num colégio que não tem toque de entrada. Os alunos aprendem a ver as horas ainda pequenos e são eles que quando chega à hora se dirigem para a sala de aula. Fazem uma fila e esperam pelo professor. Não há gritos, não há empurrões, o professor não os tem que mandar calar durante metade da aula. Eles sabem que estão ali para aprender. Também não há palmadas, ou puxões de orelhas, ou nada do estilo. Há disciplina.

Será que a minha afilhada e a irmã são crianças génio? Não. São apenas crianças que têm oportunidades. Que andam numa escola com disciplina (nem balda, nem despotismo), escola que os pais sabem que se elas se portarem muito mal no ano seguinte não há vaga.

Há algo de terrivelmente mau no reino das escolas em Portugal. Eu olho para os meus alunos aos pinotes dentro da aula, eu olho para os pais que acham muita piada ao mau comportamento dos filhos “são tão espertos”, e vejo o abismo de futuro que os espera dos outros meninos dos colégios, onde as crianças estão lá para aprender e ganharem ferramentas de vida. Esta educação tão desnivelada, vai trazer um abismo social dentro de anos. Os filhos dos ricos e os filhos dos pobres viverão em mundos tão distintos como viviam nos anos 50 e isso é trágico.

Olho para os desesperados professores meus colegas, que chegam ao fim do dia cheios de dores de cabeça, que contam os dias para a reforma, que estão dispostos a perder dinheiro de reforma e reformarem-se mais cedo porque não aguentam mais. E olho para os selvagenzinhos a quem os pais não controlam e não sabem respeito, educação e civismo. Para os professores que têm que comprar tinteiros para as impressoras porque os tinteiros nunca chegam, que compram resmas de papel se querem dar fotocópias aos alunos, que trazem de casa detergentes para a limpeza, que às vezes têm eles próprios que limpar as escolas porque faltam os subsídios e pergunto, que “paixão” é esta pela educação que dizem os governos sentir?

O problema do ensino português?
Laxismo institucional. Vontade de parecer bem nas estatísticas e vá de passar todos os alunos saibam eles ou não saibam. Essa ideia peregrina da “integração” onde crianças com as mais diversas dificuldades devem estar na mesma turma das outras e depois não há professores para as acompanhar. Falta de autoridade dos professores. Falta de meios para impor a disciplina: passou-se de um ensino sádico de castigos corporais e humilhação, para um ensino sem ordem ou regras. Os pais. Os pais que… sei lá eu… não compreendo muitos dos pais que vão pedir explicações porque o filho ficou sem um intervalo, que tem trabalhos de casa para o fim-de-semana, (tipo uma cópia, um página de contas e um desenho). Porque a professora lhe deu um castigo de escrever a tabuada ou qualquer coisa do género. Eu penso que se quando um aluno do ensino básico se portasse mal fosse o pai que recebesse o castigo, 90% dos problemas de disciplina seriam solucionados.


P.S. Lógico que há excepções. Mas cada vez mais são isso mesmo: Excepções.

6 Comments:

Blogger Ir.Victor said...

ri com o teu blog... bom espaço de partilhas...

13 janeiro, 2010 16:16  
Blogger Vitor Mota said...

Concordo com quase tudo da tua reflexão. Apenas alerto para o facto de actualmente, nos colégios privados, também já existir indisciplina, arrogância e falta de trabalho dos alunos. Será pelo exemplo também dos seus papás ricos que como podem pagar também não têm tempo para educar em casa? O problema é que estes alunos, mesmo mal formados, tem os caminhos abertos para aquele "job" enquanto os outros "pobres" ficam com os restos. Mas também ainda há excelentes alunos nas escolas públicas!

27 fevereiro, 2010 12:11  
Blogger Maria Papoila said...

Com todo o respeito por si, pelo seu trabalho e pela sua experiência: a Sra realmente acredita que a maioria dos pais dos alunos indisciplinados são indiferentes a isso? A Sra. acha que esses pais não sofrem e, que se soubessem ou pudessem, não mudariam a aituação? Se não sabe, Sra. professora, então permita-me que lhe diga que não chega a estabelecer um verdadeiro diálogo com os pais dos seus alunos. Não os OLHA, não os ESCUTA. Apenas os julga dentro dos seus conceitos.Há tantos professores BONS, mas são os que se interessam pelas pessoas que os seus alunos são, não os vendo como "o perturbador", o "indisciplinado", mas sim como a Maria, o Manel, etc.
As mudanças e dificuldades que actualmente existem têm a ver com todas as mudanças sociais, mas Sra. Professora...não são apenas os alunos indisciplinados que têm "um problema", o próprio sistema de ensino é completamente desadequado. Conhece a metodologia da Escola da Ponte? Sabia que é, de todas as escolas portuguesas a que tem maior sucesso escolar? Sabia que os alunos desta escola aprendem em 5 anos o que no ensino tradicional se aprende em 9 anos de escolaridade? E não são génios...são alunos considerados problemáticos, os alunos que as outras escolas não quiseram e que foram expulsos. Não têm problemas de comportamento e mais: gostam de aprender. Dá que pensar, não dá?
Há muita coisa a mudar, mas enquanto pensarmos que o problema está no governo, nas más condições actuais dos professores, nos alunos desrespeitadores com paizinhos que não os educam, só nos lamentamos, desviamo-nos do foco, trabalhamos de forma frustrada e nada avança. E como os alunos são "indisciplinados, dificeis e mal-educados", são excluidos e mal tratados, e a escola desiste deles. É o que sempre acontece, Sra. Professora.

desejo-lhe uma carreira e uma vida repleta de aprendizagens, sucessos e Amor, muito Amor :)

Maria

08 março, 2010 00:45  
Blogger mulheres_estejam_caladas said...

Maria,
Quendo eu vivia em lisboa trabalhei com pré-delinquentes dos bairros problemáticos de lisboa. e digo-lhe prefiro os problemáticos adolescentes suburbanos doque estes selvagenzinhos (literalmente, porque não têm educação).A minha experiência diz-me que os adolescentes problemáticos são receptivos à atenção. se um professor se interessa, eles passam a ter respeito e a responder ao interesse.

Mas estas crianças daqui, não têm formação cívica. Os pais vão à escola ralhar com o professor se ele castiga o miúdo a não ir ao intervalo da manhã, por exemplo, (e basta um dia) se a crianças leva trabalhos para casa, se o professor diz ao pai que é importante a crianças chegar à escola às 9h00 e não quando dá jeito à mãe. que a crianças não deve ficar acordada até ao fim da novela, que às vezes é à meia-noite.Lá aprece a mãe aos gritos.

Se a crianças não gosta de uma disciplina, tiram-na da disciplina. ameaçam bater nos professores. por isso não tenho qualquer respeito pelos pais que julgando que ajudam o filho só lhes estão a ensinar que as regras não existem.
Assim como não respeito os pais suburbanos que abandonam os filhos à sua sorte desde pequenos. porque os tais alunos problemáticos são porblemáticos em 99% dos casos porque não tiveram amor em casa.

E continuo a afirmar, a culpa de 99% do mau comportamento das crianças é devido aos pais. que não os educam, que não os ensinam a respeitar os outros, que os enfiam à frente da televisão e não lhes dão atenção. Criando um bando de crianças selvagens, sem valores, e hiper-activas porque não tiveram colo suficiente, porque lhes dão coisas mas não atenção.

a escola existe para dar instrução, mas hoje em dia os pais acham que os professores são pagos para fazerem tudo aquilo que os pais não têm tempo ou não querem fazer.

A situação das nossas escolas deve-se ao facto de muitoas crianças embora tenham pais, vivam como órfãos num lar em que a televisão, os jogos e os presentes em excesso, são a única companhia que têm, e a única maneira de terem atenção é comportarem-se mal.

08 março, 2010 12:28  
Blogger mulheres_estejam_caladas said...

E depois hoje em dia em muitos lares, as crianças governam a casa. Comem o que gostam, e quando querem, vêem na televisão o a que querem, os pais organizam a sua vida em redor dos gostos e vontades da crianças. Quando as famílias eram maiores as crianças tinham que aprender a viver em comunidade, a mãe faziam um jantar, havia horários, porque com 3 ou 5 crianças em casa tinha que haver regras. Hoje em dia o filho únicos ou os 2 filhos são reizinhos em casa e não conseguem ser cidadãos comuns na escola.
estão habituados a fazerem o que querem, quando querem e porque querem. por isso o desporto é mujitas vezes a única coisa que lhes ensina regras e respeito pelo companheiro de equipa ou adversário.

08 março, 2010 12:34  
Blogger Maria Papoila said...

Isso que diz também é uma realidade,sim. Concordo consigo que as crianças precisam de regras e limites, claro, sem isso serão, no minimo, crianças e adultos inseguros e conflituosos. Sei que é na escola que se projecta tudo, que se leva tudo ( os alunos e nós, adultos :) ). Apenas tenho alguma dificuldade em julgar os pais, porque dentro de cada casa, de cada familia, há uma história feita de muitas histórias.
Tenho professores amigos e professores na familia, e conheço o sistema escolar de dentro...há muita coisa, não podemos simplificar tudo.

Louvo o seu esforço e o seu trabalho.

Se puder, dê aqui uma espreitadela.

http://www.espacopsi.com/psabordagem.htm

Um abraço.

09 março, 2010 01:50  

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