sexta-feira, março 13, 2009

Os Netos de Rousseau


Depois de vários anos em acampamentos com crianças difíceis, de lidar com adolescentes pré-delinquentes e mesmo delinquentes (daqueles que batem, espancam, roubam, incendeiam coisas, etc..) com os quais nunca tive qualquer problema em me relacionar, nada me preparava para dar aulas a miúdos de 8 anos completamente libertos de algum valor de civilidade ou respeito.

Durante algum tempo as coisas acalmaram nas tais aulas de inglês. Mas ultimamente, seja a primavera, seja o vento a verdade é que especialmente numa das escolas o mau comportamento é uma constante. No outro dia ao entrar na escola vi uma auxiliar a rebocar um miúdos que tinha batido numa colega, enquanto a outra tentava sentar um outro aos pinotes. Um dos meus alunos entrou na aula logo a bater e a puxar o cabelo da colega, enquanto outro gritava em plenos pulmões e passava uma rasteira a outra menina, e um outro se ria e se deitava no chão, para chavascal dos restantes.
Acho que não tenho soluções.
Uma das professoras titulares diz que vai já este ano para a reforma porque já não aguenta, e a outra conta os anos para se reformar.

8 anos! Oito anos têm as crianças que fazem desmorecer gente que se entregou ao ensino toda uma vida. E os pais? Pois muitos deles acham que os filhos têm o direito à escola como toda a gente tem o direiro de poluir e usar os recursos da terra: Sem deveres, sem cuidado, sem respeito. Uma mãe de uma escola ao lado vangloriava-se, no café da terra, de ter virado a mesa à professora e "A sorte dela (professora) - continuava a mãe a dizer - foi eu estar de bom humor, senão partia-lhe a cara toda!" Porquê? Porque a professora lhe disse que o filho era mal educado. O que provavelmente era mesmo verdade. Acho que os professores deviam ser espécies protegidas, daquelas em que se tem que pagar multas por por em perigo.

O que acontece é que muitos destes miúdos aprendem que não precisam de respeitar nada excepto a força - tenho a certeza que a maior parte deles apanha e apanha forte em casa, o que leva a que só parem quando apanham - mas não respeitam o outro só porque é um ser humano. Estes pais estão a criar gente violenta que não se quer esforçar. Que acha que tem direito a tudo sem trabalhar. Que acha que só porque pode, deve causar mal aos outros. No fundo eles esperam que eu lhes bata e como eu não o faço, pensam que como não há consequências, podem portar-se mal.
Não acho que as estes miúdos tenham nascidos selvagens, mas acho que ninguém lhes ensinou respeito, deveres, cuidado. E percebe-se os miúdos que têm lares estáveis e pais que são pais a sério. Podem ter dificuldades, podem fazer barulho, podem desobedecer, porque é normal mas não prejudiacam os outros de propósito. Nada substitui o lar, e à escola chegam miúdos sem qualquer estrutura ou princípios.

Muitas vezes os programas ensinam que é preciso estimular, fazer interessar, divertir os alunos. Concordo com aulas diferentes, interessantes, desafiadoras, mas no final há sempre uma dose de esforço que é necessária para aprender: No mínimo ouvir as regras de um jogo, estar calado quando os outros jogam, não roubar/destruir/riscar os cartões/desenhos/brinquedos do vizinho, não atropelar os outros para passar à frente, não fazer batota. Mesmo nos jogos há regras.

Eu teria uma regra: A escolaridade deveria ser gratuita para todas as crianças que se portassem bem (e portar bem não significa ser um santinho). Mas os pais que não acompanhassem os filhos, que não os ajudassem, que desafiassem a orientação dos professores, que têm uma vida tão destruturada que isso se repercute no modo como os seus filhos se relacionam com os colegas e professores deveriam pagar a escola e/ou ser obrigados a frequentar cursos para pais. Porque ter um professor é um privilégio. Ter alguém que dedica horas a outras pessoas devia ser reconhecido e não pisoteado. Estas crianças são esponjas, espelhos do que aprendem em casa e levam para a escola. E devemos-lhes o esforço de lutar pelo seu futuro. E se os pais não conseguem sozinhos há que os ajudar, ou forçar a receber ajuda. E no fundo eles são ainda umas crianças, que choram quando perdem a borracha, que me pedem para afiar o lápis quando o bico se parte. Têm oito anos.... Crianças que de tão revoltadas têm que espalhar a sua dor à sua volta. Sinto um misto de pena e de saturação quando penso nos meus alunos problemáticos.Pobres crianças mal-educadas!

Mas digo-vos que prefiro um dúzia de adolescentes dos bairros problemáticos de Lisboa a estes netos campestres de Rousseau.

2 Comments:

Blogger AR said...

Gostaria de dizer que tens razão em tudo o que dizes/escreves, mas não tens. Infelizmente, digo eu, pois assim tudo seria mais fácil.

Nem sempre será culpa dos pais.
Deves partir do príncipio que os pais são "inocentes", até prova em contrário.

E mais: são os que têm mais dificuldade ou problemas que precisam de ajuda. Pagar a escola não traria nada de bom! Esse discurso de exclusão, invés de inclusão, não te fica nada, nada bem...

Esse trabalho, de os reeducar, não se faz de um ano para outro. Levará alguns anitos... E tenho a certeza que todo o bem que lhes fizeres será lembrado nas suas vidas. Não desistas. Nunca se sabe o que o fututo lhes trará e as bênçãos que recairão na tua vida.

Se os professores da Apelação conseguem, tu também hás-de conseguir! ;)
Heheheheh Força aí! Inova! Tenho a certeza que conseguirás!

14 março, 2009 20:34  
Blogger mulheres_estejam_caladas said...

Como eu a entendo! Também estou colocada numa escola do meio rural. No entanto, a maioria esmagadora dos meus alunos ainda não se enquadra nos padrões apresentados. Graças a Deus!
Parabéns pela recente ordenação, que acompanhei pelos "media".

Ana Saavedra

P.S. Sem querer apaguei o seu comentário, por isso "posto-o" eu

16 março, 2009 12:06  

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