sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Os pobres


A pobreza tem um rosto feio. Tem cinzelado dor, mágoa ou inveja.
Há os pobres limpinhos, conformados, sofridos que nos sossegam a alma porque até acreditamos que se pode ser pobre e não se perder a humanidade. Há os pobres revoltados que matam, roubam, destroem e esses até podemos condenar porque passam os limites e tornam-se predadores do seu semelhante.

Mas há a pobreza que nos rasga: os pobres que sobrevivem e não têm esperança de viver. As crianças que nunca terão uma aula de ballet ou de música, hipótese de ser bom em alguma coisa. Receptores que passam horas à frente da novelas como entretenimento. As mulheres que esfregam, cozinham, vestem sempre coisas baratas, velhas, de segunda e o fazem sem a esperança de saber que é uma passagem, que há um objectivo, que o fazem porque o filho viverá melhor. Os homens que o deixam de ser e se entregam à ausência tão presente da bebida e da violência. As crianças que repetirão, imitarão, seguirão os mesmos passos do caminho.

A pobreza é desconsolo. Há os pobres espertos, que sabem sacar tudo o que é subsídio, ajuda, esmola contribuição, rendimento de inserção, abono. Vivem de expedientes e de pedincha. Sem horizontes rasgados, apenas tentando sacar o suficiente para objectos e comida que preencham o dia de amanhã.

As casas atafulhadas, atravancadas de cheiros, roupas, quinquilharias. Há os pobres que não têm cabeça para se orientar, que gastam tudo o que têm no supérfluo. Mas só os que têm objectivos, razões ou posses conseguem dar-se ao luxo do frugal, de dispensar o supérfluo.
O olhar é de desafio, vazio ou medo. É de engano, esquivo ou intrusivo. É o olhar milenar que sabe que alguns nunca terão nada. Que alguns nunca serão ninguém mais que um número. A pobreza é mais do que não ter é deixar de ser. É abandono, é o mundo a cinzento, é o travo amargo do mal.
e
E as crianças. As crianças que aprendem o que vivem. Que são muito do que experimentam. que se moldam com os olhares, os tons de voz, e os sentimentos. Que aguentam, que lutam, que sorriem até a adolescência. Que perdoam tanto, que são - até perderem a esperança - a melhor hipótese de mudança. As crianças Senhor. As crianças que vão deixando de sorrir, de perdoar, de esperar. As crianças Senhor. Porque sofrem assim?

1 Comments:

Blogger David Cameira said...

Este post inspirou o meu " coracãozinho ".

Se a Reverenda Pastora
( a irmã dsc, sim, mas para mim que sou baptista é um poco dificil escrever esta palavra no feminino )
me der licença voureprodui-lo no meu próprio blog, concerteza respeitando os direitos autorais

Fique na paz do SENHOR

20 fevereiro, 2008 13:19  

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