sexta-feira, fevereiro 01, 2008

As bem-aventuranças


Ontem num estudo bíblico uma senhora dizia que Jesus nos convida a ter um coração de pobre. E eu fiquei a pensar o que é isso do coração de pobre?

E vejo que esta ideia romântica é uma catequese do Estado Novo, onde os pobres eram pessoas que se contentavam com a sua sorte. Eram pobrezinhos sossegados, alegres, felizes, que não invejavam nada que amavam os seus vizinhos. Só a classe média pode pensar que um coração de pobre é esse ideal misto de sofrimento resignado e contentamento minimalista. Os tais bons pobres de quem a minha avó dizia "Ai mas são muito limpinhos!"

Odeio esta concepção cega de exaltar a pobreza como se fosse uma virtude e de que os pobres são sempre bons. Há pobres horríveis, destruidores, canalhas. A verdadeira pobreza (não o despojamento) não é algo de que nos devamos orgulhar. A privação, a dependência, a fome, a humilhação de não se ter o essencial é uma vergonha que impede a dignidade humana.

Não vejo nas bem-aventuranças um convite ao contentamento, resignação ou aceitação da injustiça. As bem-aventuranças são um brado de guerra. São subversão de uma sociedade estratificada e estanque. De uma sociedade purista e ritualista que esquece que o coração dos homens tem direito à dignidade. As bem-aventuranças são eco dos discursos proféticos de mudanças, justiça e libertação.

Felizes os pobres, os que choram, os que são perseguidos porque o Senhor vem! E com ele vem a vida eterna, a alegria a libertação.

Felizes os pacificadores, os mansos, os sinceros, porque eles são agentes de mudança trazendo ao mundo paz, misericórdia, justiça.

As bem-aventuranças não são condição para entrar no Reino, são a realidade que o Senhor transformará quando vier.