terça-feira, março 27, 2007

Andanças em Lisboa

Quinta-Feira
6h30
Levanto-me na ilusão de que estudando 5 horas de hebraico antes da aula que vou ter a Lisboa, poderei lembrar-me de todo o vocabuláro que já esqueci.

10h09
Apanho o Intercidades. Pedi um lugar com mesinha e à janela, planeando 2 horas de afincada revisão de vocabulário. Tenho as folhas, os exercícios, o livro, as fichinhas com as palavras, espalhadas na mesinha... Mas viajo em Portugal!
O comboio é palco de uma excursão a Lisboa, a meu lado joga-se à bisca falada pelos 4 jogadores e comentada por alguns adeptos que em pé vão seguindo o jogo. Lá atrás canta-se música popular portuguesa. Seria de imaginar que gostando o povo tanto de música popular soubessem as canções inteiras... Ná! Depois da primeira estrofe mais ou menos trauteada, começa-se o lálálálá, substituído de seguida por uma outra música, com o mesmo alinhamento: 1ª estrofe / lálálá / mudança de melodia. No meio das modinhas mandam-se bocas para os homens que rodeiam a mesa de jogo, que respondem lá para as mulheres de trás, tudo bem alto, não vá o conductor, 5 carruagens à frente, querer também disfrutar das piadas...
Tento concentrar-me e ouço um dos homens comentar enquanto percebo que está a falar de mim: "Estes gajos dos árabes deveriam era ir todos lá pa terra deles!" Percebo que eu sou um dos gajos e que serei islâmica porque tenho os gatafunhos de hebraico à vista...
Recordo os arrebatamentos de portugalite que em Espanha tinha de Portugal... Pois é... só se consegue ser patriota e ter saudades de Portugal quando se vive longe dos portugueses...

Tarde em Lisboa e Subúrbios
Linha de Sintra: os comboios têm à entrada de cada porta os números de telefone das PSP mais próximas.
Subo ao Monte Abraão (espero 1/2 hora por uma camioneta), que bom que é viver nos arrabaldes de Lisboa!
Volto para Lisboa. Surpreendentemente as 5 horas de estudo de hebraico não ressuscitaram 6 meses longe do vocabulário! Hum!...

Sexta-Feira
9h00 saio de casa na Alameda pois tenho que estar às 10h00 no escritório da Igreja que é em Campo de Ourique. Chego lá às 10h20 pois o autocarro 9 tem o seu horário muito peculiar.

Alameda / Campo de Ourique / Vasco da Gama.
Meia dúzia de horas em Lisboa e percebo que voltaram os padrões geométricos dos anos 70, que sapatos são só de cunha. Fico a saber que cores se usam e sem ler jornais ou revistas ouço os comentários do que se passa no país, vejo os cabeçalhos nos quiosques e sei o que anda a fazer o governo. Pelos outdoors descubro os espectáculos que estão em cartaz, que novos anúncios nos fazem sorrir ou pensar. A cidade é um oferecer de novidades. Sem que eu procure nada, fico a saber muitas coisas. Percebo agora que vivendo na província cada um tem que procurar cultura e informação e que na cidade está tudo aí, não procuramos, não buscamos, mas enquanto fazemos a nossa vida, vamos recebendo informação e é-nos oferecido uma infinidade de ideias e actividades.

Treze Gestos Para Um Corpo
Acontecia-lhe muitas vezes reabrir uma porta, simplesmente para se assegurar que não a tinha fechado atrás de si para sempre, demonstrando-se, a si mesmo, a sua curta liberdade de homem”. (Marguerite Yourcenar)
Em meados dos anos 80 o Ballet Gulbenkian fazia parte do meu mundo. A Gulbenkian oferecia múscia e Ballet com 50% de desconto para estudantes. Assim por 680$00/980$00 assistíamos a temporadas de Ballet.
Não consigo explicar a emoção que senti, quando ouvi pela primeira vez, há 20 anos atrás, a batida circular da música de António Emiliano, e segui a coreografia viciante de Olga Roriz. Senti uma tristeza infinda quando acabou o Ballet Gulbenkian, percebi que tinha acabado uma era. Não resisti a voltar a assistir ao emblemático "Treze Gestos Para Um Corpo". Tocou-me de novo a força e energia espectacular com que Olga Roriz sempre nos fez apaixonar por uma nova forma de sentir a dança.

Das coisas que tenho que abrir mão nesta minha nova fase de vida com orçamento reduzido, a dança, o teatro e a música pesam mais. O um dos sítio de que sinto mais saudades na diáspora é da Gulbenkian, que sempre oferecendo qualidade a preços razoáveis era o verdadeiro Ministério da Cultura de Portugal.

1 Comments:

Blogger Unknown said...

Partilho dessa emoção. Durante três anos seguidos pude ver essa coreografia e fiquei negro como a noite quando descobri, hoje, que perdi em 2007 a oportunidade de a rever.

01 abril, 2008 00:34  

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