A todos que acham que as crianças institucionalizadas têm tantas hipóteses como as outras de finais felizes
Uma história de desencantar
Era uma vez uma menina chamada Lisdália. A Lis é o caso típico de menina que cresceu nos lares da segurança social, a mãe (que ela acha que é uma santa) batia-lhe com tudo o que apanhava à mão desde colheres de pau com que lhe rebentava muitas vezes a boca, até borrachas das garrafas do gás... (a Lis aconselha que sempre é melhor as colheres de pau porque se partem, enquanto que os tubos do gaz não se partem e por isso o castigo demora mais tempo, ainda que depois a mãe ficasse chateada com ela porque a lis "tinha a mania" de lhe esconder as colheres de pau: então a Lis para mãe era um desassossego já que ou escondia as colheres de pau ou então como ela lhe tinha que bater as colheres se partiam!). Aos 5 anos foi afastada da mãe por maus tratos e aos 9 a mãe entregou-a aos serviços sociais, porque "ela se portava mal".
Conheço a Lisdália desde 2001.Nesse verão o Internato de São João (IPSS) enviou 4 meninas que não tinham possibilidades de ficar com as famílias durante as férias, para os campos de férias da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal na Figueira da Foz. Foi nesse ano que a mãe da Lidália morreu ela tinha 11 anos. Ao longo dos anos de 2001 e 2002 a Lisdália passava cada vez mais fins de semana no internato, pois gradualmente a família se afastava e não a ia buscar para passar os fins de semana. Assim que muitas vezes eu a ia buscar ao domingo para ir à minha Igreja e ela passava o domingo comigo e com outra menina de quem eu era “família amiga.”
A morte dos pais e o gradual afastamento da família, afectou bastante a Lisdália, que começava a dar alguns problemas na escola e na família quando por vezes os tios a iam buscar para passar o fim de semana.
A partir de essa altura, sugeri insistentemente com todos os responsáveis que a Lisdália necessitaria de ajuda psicológica, para ajudar a ultrapassar os sentimentos que a bloqueavam: a dor, o medo, e a raiva. A solução da instituição quando a Lis dava problemas era castigá-la com louça para lavar ou escadas para varrer.
No ano de 2003/2004 deixei o meu trabalho e fui estudar teologia. Assim que vivia durante a semana em Lisboa no IBP e durante o fim de semana ia para a Figueira da Foz pois fui destacada para fazer estágio pastoral nas igrejas dessa região. Nessa altura muitos fins de semana a Lisdália foi passá-los comigo à Figueira e cada vez mais a família se distanciava já que quando a Lisdália passava os fins de semana com eles, eles se queixavam que ela não obedecia.
No ano de 2004/2005 eu vim continuar os meus estudos para Madrid. Em Outubro a Lis mandou-me um SMS a pedir ajuda pois estava grávida e a viver entre várias casas. Não estando em Portugal, pedi ajuda à minha melhor amiga Elsa que também conhecia a Lis e a partir daí criámos uma rede de amigos a que damos o nome da “A Aldeia da Lisdália” que tem rezado/orado tentado ser suporte e ajuda para a Lisdália.
A Bianca um raio de luz na vida da Lisdália, nasceu eu Abril de 2005.
Não vou contar toda a história, mas estes últimos anos têm sido de luta. Entre família que promete e se dimite, Natais e férias que passa em minha casa ou da Elsa, pois a família diz que a vai buscar e na hora não aparece, entre várias IPSS porque passou, umas melhores outras horríveis, entre as dificuldades da Lis em se adaptar a regras se passaram quase 2 anos. Há mais de uma ano que a "Aldeia da Lisdália" está a suportar consultas semanais de psicologia. Estas consultas têm ajudado a Lis a encontrar-se, a desenvolver capacidades parentais e a assumir a responsabilidade de ser a mãe da Bianca.
Não pretendo defender que a Lis é uma menina fácil ou que não há problemas. Mas durante todo este processo o que eu sinto é que os amigos da Lisdália e a psicóloga (Angela Marques) têm tentado ajudar a Lis a ficar com a Bianca e as instituições do Estado querem é "resolver um problema." Excepção seja feita para o Provedor de Menores de Lisboa o Dr. Vidigal que é um homem de coração e muito conhecimento. Mas desde 2001, tenho conhecido muitos lares dos estado, muitas IPSS, muita gente cheia de boa vontade mas sem a mínima capacidade para lidar com adolescentes problemáticos, outros, são eles prórpios adultos problemáticos que deveriam estar a lidar com papéis e não pessoas. Raiva, raiva é o que eu sinto por este batalhão de gente que lida com miúdos problemáticos como se eles se devessem comportar como meninos do coro. A maior parte desta gente devia abrir ATLs e não IPSS com meninos doridos. Firmeza e amor é o que estes meninos precisam, não de alguém que precisa de mostrar quem manda.
Como acaba a história?... mal...
A Lis e a Bianca têm um vínculo mãe filha muito forte, mas a Lis tem um grande problema em submeter-se à autoridade. Ama a filha, mas tem graves problemas em obedecer. Ela precisava de esforço, empenho e disponibilidade, as instituições têm outras agendas. As instituições têm outros tempos que não são os tempo destas adolescentes-mães.
A vida da Bi e da Lis era um desafio. O mais simples foi separar a Lis e a Bîanca, e este processo pode ser arquivado. Vai a Bianca para adopção ou para viver num lar qualquer do Estado ou IPSS e tornar-se talvez numa nova Lisdália e vai a Lis para a rua...
Dentro de mim há o conflito: Salvar as duas ou salvar a Bi de uma possível futura má mãe... Com quem fica melhor a Bi? Com uma mãe imperfeita ou num lar imperfeito também... O facto de se dar tempo à Lis significava que as hipóteses da Bi ser adoptada baixam cada dia... é verdade, os casais querem bébés felizes... esquecendo-se que os meninos para adopção não são bébés felizes... são bébés ou maltratados ou separados dos pais... O tempo que a lis necesita para crescer e ser uma boa mãe é o tempo que se perde para a Bi ser adopatda... O que escolher? A Bi é uma bébé feliz, dança...adora a mãe, segue-a com o olhar... A Lis não é a mãe perfeita... é verdade... mas se calhar deveríamos instituicionalizar metades das crianças de Portugal...
Tentar salvar vidas é divino, assistir a milagres tem os seus riscos… Será que o medo nos paraliza os sonhos, e a raiva dos casos que deram errado nos tolda o coração para encarar que cada história é única? Trabalhar com vidas é acreditar que há dimensões de resiliência e maravilha que estão mais além das nossas probabilidades metódicas.
Ninguém no mundo gosta mais da Bi do que a Lis, não estou a dizer que a Lis iria sempre ser uma boa mãe... estou só a dizer que se devia dar a hipótese...
Ontem quando a Lis chegou ao lar de mães solteiras onde vivia, a Bi já lá não estava, tinham-na levado... a Lis está algures por Lisboa, em casa de uma menina amiga da mesma idade, porque não tem ninguém da família que a abrace e chore com ela... Está sozinha... com o vazio que viverá sempre com ela... a Lis... agora é só a Lis... a Bi em algum lar para bébés está a chorar à procura da mãe...
5 Comments:
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a razão de haver post eliminados tem apenas a ver com post que aparecem para publicidade.
Simplesmente precisava ser ajudada a ser melhor mãe, dentro do possível. Separá-las ajudará cada uma? Duvido, neste caso.
pois é...depois de tanto esforço... oro pela bianca... bjs...marta
Incendiaram-me a infância
Bilioteca de sonhos
Com gotas de orvalho
violaram a Primavera
E eu cresci a crédito
No eco das noites brancas
A lembrar-me do coro das velhas
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