quinta-feira, maio 18, 2006

Ocupações e Preocupações




Algumas pessoas têm-me perguntado como é que comunidades rurais encaram o facto de poderem vir a ter uma mulher pastora.
Pois encaram o facto lindamente, e sem o mais pequeno problema.

Entre 2003 e 2004 estive a fazer estágio pastoral em 3 Igrejas: uma era na cidade da Figueira da Foz com uma população claramente citadina, outra era a Comunidade da Cova e Gala, uma aldeia de pescadores nos arredores da Figueira e outra era Portomar uma comunidade mais rural... e em todas elas o facto de eu ser mulher não afectou minimamente o meu trabalho. O ano passado estive durante o mês de Agosto a substituir o pastor da área de Abrantes e em todas as comunidades duas delas em aldeias me aceitaram de braços abertos. Uma senhora até me disse: "Acho muito bem menina... que falar com Deus sempre fui uma coisa mais de mulheres... os homens ficavam sempre à porta da missa, só apareciam para pôr a capa da irmandade para levar os mortos ao cemitério ou a santa ao altar... rezar que era rezar era sempre connosco..." Numa outra igreja, outra senhora olhou para mim toda contente e comentou: "Pois uma pastora é o que nós precisamos... antigamente nós éramos muito castigadas... os meus irmãos para trabalhar no campo tinham botas, eu como era mulher ia para o ribeiro lavar, os pés dentro daquela água gelada e ia descalça... olhe para os meus pés, (olhei para uns pés deformados de artroses e de trabalho) isto foi o resultado de tantos e tantos dias com os pés metidos dentro de água a lavar a roupa e a encaminhar a água para as terras e nem umas botas velhas havia para mim!"

Sinto que o problema de aceitar ou não uma mulher não tem a ver com os crentes sim com os líderes que formatam o seu rebalho e não os deixam livres para pensar... Estas preocupação são muito mais da pequena burguesia urbana do que do povo. As mulheres do povo sempre trabalharam. Não havia tempo nem dinheiro para se ser Fada do Lar...havia que trabalhar no campo, na fábrica, na casa dos senhores... só a classe média enfiava a suas mulheres em casa... As mulheres de classe alta sempre tiveram muita mais liberdade, na Bíblia, em Provérbios 31:10-31, vemos um retrato de uma mulher de classe alta, empreendedora e decidida que dirige os negócios da sua propriedade, sem nunhum traço de sumissividade ou subserviência...
Cada vez acho mais, que estes preconceitos são fruto de uma classe média que tem muito medo de ir contra o status quo religioso, aliás a burguesia sempre foi muito mais preconceituosa que o povo ou a classe alta... Como diria Miguel Esteves Cardoso: "o povo ocupa-se e a burguesia preocupa-se"...

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

interessante.
xana

18 maio, 2006 16:14  
Blogger Tiago Cavaco said...

Ó Nini, há pertinência em muitas coisas que dizes nestas linhas mas parece-me que hoje o status quo está do teu lado.

19 maio, 2006 00:24  
Blogger mulheres_estejam_caladas said...

A sociedade civil sim. Mas os grupos evangélicos que se sentem incómodos com os desafios do presente almejam voltar a uma mentalidade de códigos morais do Estado Novo. Se reparares os grupos evangélicos que dependem de estruturas internacionais como sejam a Igreja do Nazarenos ou o Exército de Salvação (falando dos grupos de teologia mais conservadora) ordenam mulheres, os grupos que têm autonomia nacional tendem a ser mais refractários à ideia.

19 maio, 2006 14:37  
Blogger Tiago Cavaco said...

É provável que as ligações internacionais cumpram um papel nas denominações que ordenam mulheres mas a associação de quem não o faz ao Estado Novo parece-me poética. Em nada me identifico com o Professor Salazar e isso não me encoraja a apoiar a ordenação de mulheres. Mesmo junto das igrejas de linha teológica mais conservadora (usando o termo com alguma flexibilidade) o assunto é hoje visto com muita naturalidade. Basta veres o fenómenos de mulheres pastoras por inerência marital (que já mencionaste no teu blogue). Dos carismáticos aos baptistas, doz Copiques às Assembleias, é cada vez mais raro encontrar uma posição contrária à equidade sacerdotal. As quotas vieram para ficar. Respeito e até acarinho a tua ordenação (que sigo com entusiasmo) mas parece-me que o tema não se pode esgotar no politicamente correcto de cartaz.

19 maio, 2006 15:50  

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